A visão da paisagem que eu mais encarei ao longo da minha vida sempre remeteu-me a um grande tampo de mesa escondido debaixo de livros e, a partir da ativação espacial do trabalho de Daniela, as viagens matinais de partida para o mundo, saindo da casa onde morei durante muitos anos, tornaram-se na entrada em uma biblioteca semiótica de proporções apoteóticas. Se os livros são falantes e eloquentes à sua própria maneira, a paisagem, formada em sua grande maioria por casas que ocupavam diferentes alturas de modo que eu pudesse ver ao menos uma fatia de um dos seus lados, também narrava a espacialidade da vida humana de um jeito especial e específico.
Em algum momento, eu passei a imaginar as estruturas das edificações e a fotografia de seus muros, como as camadas de folhas que compõem algo feito os livros. Havia uma predominância cromática: as resmas de páginas eram geralmente da cor laranja, como os tijolos expostos, unidos por cimento, e a encadernação era geralmente cinza e metálica, como os telhados de zinco. No quintal de casa, esquecidas em um canto e descartadas do projeto de formarem uma cobertura, estavam algumas telhas de zinco, as quais eu namorei até decidir que deveria usá-las de outra forma. Cortei, em tamanhos menores, as suas chapas e removi o seu zigue-zague característico, alisando-as, até que elas pudessem ser manuseadas sem dificuldades pelas minhas mãos e compilar as minhas fábulas sobre a criação das imagens. Escutei a cacofonia do metal sofrendo tal processo de transformação assim como o escritor escuta todos os personagens em gestação na concepção de uma narrativa. Precisei lidar com a energia do material que estava acostumado a resistir ao sol e à chuva, que era testemunho de situações nas quais eu não estava presente ali em concomitância a ele: a sua locução compreendia uma variação tonal de altíssimos ruídos resultantes do atrito no metal sendo atravessado por serras elétricas ou planificado por um outro metal ainda mais duro e espesso. Do atrito surgiam também faíscas grossas, linhas tracejadas e incandescentes que sumiram ao tocar outras superfícies, como o chão.