Mimetizar o mundo é um jeito inteligentíssimo de se viver. Subverter os valores com a magia da mensagem que adere aos sulcos da superfície e se cristaliza em algum grau de profundidade, depois do raso. Já que a vida tem essa opacidade, então brinca-se com as cores chapadas, com a mensagem mais próxima do primeiro plano, ou seja, de ordem mais primordial? Talvez isso seja brincar de Tetris.

Dependendo da forma como é diagramado, um livro tem algumas ou várias páginas em branco, folhas de rosto, contracapas, páginas aquelas nas quais terminam um parágrafo com as suas últimas linhas restantes. Pode não ser possível saber o que vem em seguida. Alguns livros são feitos papel de alta gramatura e muita opacidade, escondendo completamente o conteúdo porvir. O tempo tem essa imprevisibilidade. E o suspense pode ser um convite à imersão. Já tem tanto acontecendo dentro de nós, que não é necessário experimentar os relatos dos textos para viajar ou para ler alguma narrativa, enquanto as nossas narrativas interiores acontecem a todo o tempo, mesmo se as ignoramos. Tem algo assim que acontece comigo em “Acachapante” e em “Espelhadores”. O encontro com a opacidade na qual eu talvez não me veja instantaneamente, o encontro com a opacidade inversa causada por um livro que escondeu suas páginas para mostrar a mim mesmo. Ambos estão mimetizando os mundos e eu não sei quantas dimensões existem. A minha visão pode estar subsidiada aos limites terrenos.
A geografia formada pelo mapa de caminhos afetivos os quais seguimos está suscetível ao movimento das placas tectônicas que sustentam o campo da sensibilidade. Algumas circunstâncias podem ser responsáveis por mudanças bruscas em nossa forma de se relacionar com as coisas do mundo exterior. Talvez haja sempre o interesse de se encontrar o logradouro do ouro, o ponto de convergência. Lembro-me de conhecer a obra “Como fazer para si um abrigo de livros”, de Daniela Mattos, que é um texto performativo contendo instruções de como se resguardar dentro de um abrigo feito com livros os quais se ama, empilhados ao seu redor. O último contato que eu tive com esta obra e o seu poder imaginativo já faz tanto tempo. A impressão que ela gerou em mim foi a de que Daniela havia de fato criado para si uma instalação, seguindo as instruções do seu próprio texto. Gerou em mim uma lembrança muito fiel de que existia um registro filmográfico do que eu estava certo, até então, tratar-se de uma instalação. O texto fez parte da edição de número 8 da “Recibo 23”, uma revista de artistas, e foi publicado em 2011.
Abrigar a ficção & desalojar o texto artístico.